José Carlos Reis Feitosa
Estamos
vivendo momentos difíceis nos rumos econômicos e políticos do Brasil, e medidas
consideradas retrógradas, alienáveis e antidemocráticas recheiam o cenário.
Para
muitos, que apenas conseguem enxergar o lado claro da lua, parece-lhes que é um
conjunto de medidas apenas necessárias, todavia será que necessárias se fazem
para a melhoria da qualidade de vida dos brasileiros? Será que ao amanhecer
quando a lua não mais estiver visível, nada poderemos ver se já estivermos
totalmente cegos?
Aqui
considero apenas algumas dessas medidas que aponto a obscuridade do lado oculto
da lua:
Escolas
sem partidos, onde professores usam amordaças para apenas se posicionarem como
transmissores de conteúdos já sendo implantadas;
Congelamentos
de recursos públicos por 20 anos, para assim diante da inflação não mais sairmos
do lugar inicial;
Reforma
do ensino médio, eliminando disciplinas que compunham a formação do senso
crítico;
Reforma
trabalhista que apresenta graves impactos para todos os profissionais de
educação que recebem em média o equivalente a metade do salário de
outros profissionais que possuem nível superior;
Base
Nacional Comum Curricular que se antes já era composto por concretas tendências
neoliberais, agora materializa-se com o
apoio dos grupos empresariais que efetivamente dirigem nosso país;
Com
base nestas medidas me atenho agora, preferencialmente a refletir sobre a mais
nova tendência de governantes meramente administradores (com intuitos meramente
políticos) que apoiam tais medidas acima citadas e que aproveitam dos reles
seres passivos, possuidores de ideias e ideais do senso comum, para assim
apresentarem a proposta de Escolas militarizadas. Afirmando estas serem a solução
para acabar com a violência e a falta de aprendizado nas escolas.
Proponho
aqui aos leitores, como diz a psicóloga Ligia Martins, doutora em educação pela
UNESP, precisamos abrir nosso terceiro olho e vermos para além das aparências.
O que está por trás de tais medidas como salvadoras da pátria!
Vamos iniciar
nossa reflexão analisando qual o papel da escola e do professor.
Para Saviani:
O objeto da
escola diz respeito, de um lado, à identificação dos elementos culturais que
precisam ser assimilados pelos indivíduos da espécie humana para que eles se
tornem humanos e, de outro lado e concomitantemente, à descoberta das formas
mais adequadas para atingir esse objetivo.
Pois bem, identificar e perceber o que é essencial e o acidental, o
principal e o secundário para que o aluno se torne humano e também a melhor
forma da garantia dessa materialização, esta é a ação da escola. Todavia é
preciso a reflexão de para qual sociedade a escola forma esse homem.
Uma sociedade do poder? do autoritarismo? da ditadura? da falta de
liberdade? do medo? do capitalismo?
Este já é o modelo da sociedade atual, vigente em nossos dias, pelo
menos a qual os trabalhadores brasileiros sustentam doando suas forças por
salários minimizados e saques de impostos cada vez maiores e arbitrários.
De acordo com Marx e Engels, na sociedade capitalista a EDUCAÇÃO se
constitui como um elemento de manutenção e conservação da hierarquia social.
Portanto, se faz jus questionarmos o porque de regredirmos ao militarismo
iniciando já pelas portas das escolas que se abrem?
E o professor, qual sua postura, seu papel diante desse objetivo
escolar?
Trago novamente Saviani(1994) que de forma clara conceitua: “Trabalho
educativo é o ato de produzir, direta e intencionalmente em cada indivíduo
singular, a humanidade que é produzida historicamente e coletivamente pelo
conjunto dos homens”.
Formar em cada
aluno singular a humanidade, significa conceber-lhes um desenvolvimento que os
molde como seres cada vez mais plenos. Assim, diante de tantas conquistas,
produzidas ao longo da história, ao qual o homem tanto se desenvolveu, como
retroceder a um período marcado por barbáries propagadas pelos movimentos da
ditadura militar?
Segundo João Paulo Caldeira:
No Brasil do
século XX, a tortura foi praxe nos dois maiores períodos ditatoriais que o país
viveu, na época do Estado Novo (1937-1945) e do regime militar (1964-1985),
sendo institucionalizada neste último período, banalizando-se e revelando-se
como um método eficaz de garantir um Estado de ilegalidade.
Assim legitima por força antidemocrática, a institucionalização das escolas militares
como proposta para implantação em todo o Brasil, apresentando bons índices de
IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) e de aprovação em vestibulares, sem fazer a população estudar, refletir e
conscientizar-se do que ainda está por vir.
As
escolas Militares são sucesso, porém observemos suas configurações:
Primeiro,
ela foi idealizada para os filhos dos militares, assim a herança se perpetuará;
Segundo,
há uma seleção através de provas, onde estes alunos já se preparam previamente
para estes exames e consequentemente entram na escola com o habito do estudo;
Terceiro,
todas as escolas militares possuem uma infraestrutura condizente com a
necessidade de um padrão mínimo de qualidade;
Quarto,
professores em constantes formações continuadas;
Quinto
e último, alunos obrigatoriamente
precisam defender a instituição (com bons resultados), que não mais se
apresentam como escolar, mas sim como escolar/militar.
É
claro que a educação precisa de uma grande reforma, isso já se falava desde a
década de 90 quando adentramos na Universidade e começamos a formar nossa
consciência acadêmica. Estávamos já dentro das concepções escolanovistas e
alguns vestígios do tecnicismo insistia em permanecer, entretanto se
consolidava o construtivismo.
Este
sim veio para transformar o ensino e o estudante em meros fantoches de um
movimento de efetivação da sociedade capitalista que hoje nos escraviza e destrói
o desejo de luta de classe do povo brasileiro.
Nestas
escolas “O papel do professor [...] deixa de ser o daquele que ensina para ser
o de auxiliar o aluno em seu próprio processo de aprendizagem.” (SAVIANI,2008)
Agora
surge as ideias de regresso com as escolas militares ou de gestão
compartilhada.
Importante
salientarmos, “A escola está impregnada
de ponta a ponta pelo aspecto político”, Saviani (1991) cita Guiomar Nello.
É
notório que a ação educativa condiciona a uma junção entre o ato político e o ato pedagógico. Todavia o ato político tem de ser libertador,
transformador, como já dizia Paulo Freire(1968): “Quando a educação não é
libertadora, o sonho do oprimido é ser o opressor”. Portanto se faz necessário
o ato político transformador e o ato pedagógico intencional para libertar, não
para oprimir.
O discurso da “transformação” que hoje se propaga em
governos ditatoriais é apropriado pela classe dominante para manter a
hegemonia.
Portanto nos dirigimos agora ao público de
educadores. Precisamos estudar, nos posicionar, não aceitar meras
transformações sem juízo de valor, precisamos ser mais competentes, essa é
nossa principal arma, precisamos fazer mais política, não política partidária,
essa faz parte do controle das massas, mas precisamos sermos competentes no
fazer pedagógico a partir de nossos compromissos com uma sociedade melhor.
“Não se faz política sem competência e não existe
técnica sem compromisso... A política é também uma questão técnica e
compromisso sem competência é descompromisso”, posicionamento de Saviani (1991).
A
Prof. Virginia Maria Pereira de Melo contribui afirmando:
As escolas militares embora
tenha boa repercussão na sociedade em geral, por seus resultados imediatos,
está marcada por equívocos graves, que podem repercutir negativamente na
formação de várias gerações. É princípio constitucional que o Estado deve
oferecer a todos uma escola pública, gratuita, democrática, com diversidade de
ideias e concepções pedagógicas, e à qual todos tenham as mesmas condições de
acesso e permanência com sucesso.
Estudar numa escola em que as alunas são proibidas
de soltar os cabelos, usar a cor que lhe convém, pintar suas unhas. Onde os
meninos precisam ter cabelo cortado no padrão único, não poder usar nenhum
indumentário, além de todos usarem gritos de guerra, não usar celular, estar
sempre fazendo continências, não seria apenas uma forma de apenas desvelar o perigo de extremismos e de
que o poder de coação do Estado é soberano?
“Militarizar escolas para resolver problemas é um
retrocesso que acredito que temos que tentar reverter”, afirmou o também
polêmico ex-ministro da Educação do governo Dilma Rousseff, Aloizio Mercadante,
no Pleno do Fórum Nacional de Educação (FNE) (2016).
Não é nosso objetivo aqui macular a instituição da
policia militar, esta que nos ampara e nos protege. Todavia temos o
conhecimento também dos percalços que passam os profissionais dessa área, pelo
confronto que fazem para nos garantir a segurança com quadros reduzidos de
pessoal, salários demasiadamente incoerentes, viaturas sucateadas e outros mais
problemas existenciais. Estes também necessários de atenção do Estado.
Incorporar nestes a tarefa de serem professores na
educação pública é ampliar seus universos de responsabilidades para assim
caracterizar uma educação onde se troca o professor com o livro por um policial
com uma arma.
A educação escolar é campo de aprendizagem, de
formação, de cidadania, de construção de valores e atitudes que se dão na
interação uns com os outros, e sendo assim se faz jus um ambiente promotor de
democracia, ainda que está não se efetive na íntegra, pois é um processo sempre
em construção. Para isso ela não precisa ser militarizada. Bastaria somente que
nossos governantes, ou seja o Estado e família cumprisse com sua obrigação, ou
seja um assumisse a responsabilidade com a destinação dos recursos necessários
(condições físicas, salários dignos, materiais pedagógicos, merenda de
qualidade, formação continuada dos profissionais, gestão democrática e
participativa) e o outro com a educação não formal preparada mesmo antes de
chegar a escola.
Aos leitores espero ter conseguido mostrar “o lado
escuro da lua”, assim todos podem e devem ter um posicionamento para além dos
achismos e das transformações que mais se assemelham a imposições de cima para
baixo. Não esquecendo que a informação é o nosso terceiro olho.
Para finalizarmos deixamos aqui 5 razões contra a militarização de escolas, copiado
do site pressenza.com:
1- Policiais não estão
preparados para debater ideias, qualquer divergência ou discussão já descambam
para agressão;
2 – Nessas escolas, as
crianças e os jovens não sabem o que é liberdade. São o tempo todo submetidas a
um regime disciplinar arbitrário, ao pior estilo “Vigiar e Punir” (ver livro de
Michel Foucault sobre espaços de dominação e “fabricação” de indivíduos por
meio da disciplina);
3 – Não são ensinadas a dar
valor aos seus direitos, garantias e liberdades às quais têm ou deveriam ter
acesso;
4 – Aprendem que, para
serem “bons” cidadãos, devem simplesmente obedecer a quem tem poder, mesmo que
isso os tolha de suas individualidades e direitos. Mesmo que isso perpetue
ainda mais as desigualdades e a discriminação;
5 – São ensinadas a aplicar
o mesmo regime de dominação rigorosa caso se tornem os futuros detentores de
poder (político, militar, econômico, religioso etc.). Repetindo o ciclo de
dominação e violência na qual se formaram.
Numa
divisão de classes em que o trabalhador só é preparado para obedecer ficará
cada vez pior o processo de humanização humana, portanto é preciso promover a
emancipação deste homem e a necessária
integração entre ensino e trabalho com uma formação omnilateral, isto é,
uma formação emancipatória em todos os sentidos.
Fica
a reflexão para todos!