Este blog tem a pretensão de ser um espaço democrático destinado à publicação de textos, informações, artigos científicos, divulgação de eventos e comentários a respeito dos campos da Educação do Campo de Senhor do Bonfim e região, com ênfase aos estudos e conhecimentos pedagógicos locais. O blog é coordenado pelo Prof. José Carlos R.Feitosa (reisfeitosa@hotmail.com), a partir do exercício de sua função como educador e estudioso do fazer pedagógico. Sejam bem vindos!

sábado, 24 de março de 2018

Escolas Militares: É preciso ver a outra fase da lua


José Carlos Reis Feitosa


Estamos vivendo momentos difíceis nos rumos econômicos e políticos do Brasil, e medidas consideradas retrógradas, alienáveis e antidemocráticas recheiam o cenário.
Para muitos, que apenas conseguem enxergar o lado claro da lua, parece-lhes que é um conjunto de medidas apenas necessárias, todavia será que necessárias se fazem para a melhoria da qualidade de vida dos brasileiros? Será que ao amanhecer quando a lua não mais estiver visível, nada poderemos ver se já estivermos totalmente cegos?
Aqui considero apenas algumas dessas medidas que aponto a obscuridade do lado oculto da lua:
Escolas sem partidos, onde professores usam amordaças para apenas se posicionarem como transmissores de conteúdos já sendo implantadas;
Congelamentos de recursos públicos por 20 anos, para assim diante da inflação não mais sairmos do lugar inicial;
Reforma do ensino médio, eliminando disciplinas que compunham a formação do senso crítico;
Reforma trabalhista que apresenta graves impactos para todos os profissionais de educação que recebem em média o equivalente a metade do salário de outros profissionais que possuem nível superior;
Base Nacional Comum Curricular que se antes já era composto por concretas tendências neoliberais, agora  materializa-se com o apoio dos grupos empresariais que efetivamente dirigem nosso país;
Com base nestas medidas me atenho agora, preferencialmente a refletir sobre a mais nova tendência de governantes meramente administradores (com intuitos meramente políticos) que apoiam tais medidas acima citadas e que aproveitam dos reles seres passivos, possuidores de ideias e ideais do senso comum, para assim apresentarem a proposta de Escolas militarizadas. Afirmando estas serem a solução para acabar com a violência e a falta de aprendizado nas escolas.
Proponho aqui aos leitores, como diz a psicóloga Ligia Martins, doutora em educação pela UNESP, precisamos abrir nosso terceiro olho e vermos para além das aparências. O que está por trás de tais medidas como salvadoras da pátria!
Vamos iniciar nossa reflexão analisando qual o papel da escola e do professor.
Para Saviani:
O objeto da escola diz respeito, de um lado, à identificação dos elementos culturais que precisam ser assimilados pelos indivíduos da espécie humana para que eles se tornem humanos e, de outro lado e concomitantemente, à descoberta das formas mais adequadas para atingir esse objetivo.
Pois bem, identificar e perceber o que é essencial e o acidental, o principal e o secundário para que o aluno se torne humano e também a melhor forma da garantia dessa materialização, esta é a ação da escola. Todavia é preciso a reflexão de para qual sociedade a escola forma esse homem.
Uma sociedade do poder? do autoritarismo? da ditadura? da falta de liberdade? do medo? do capitalismo?
Este já é o modelo da sociedade atual, vigente em nossos dias, pelo menos a qual os trabalhadores brasileiros sustentam doando suas forças por salários minimizados e saques de impostos cada vez maiores e arbitrários.
De acordo com Marx e Engels, na sociedade capitalista a EDUCAÇÃO se constitui como um elemento de manutenção e conservação da hierarquia social. Portanto, se faz jus questionarmos o porque de regredirmos ao militarismo iniciando já pelas portas das escolas que se abrem?
E o professor, qual sua postura, seu papel diante desse objetivo escolar?
Trago novamente Saviani(1994) que de forma clara conceitua: “Trabalho educativo é o ato de produzir, direta e intencionalmente em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida historicamente e coletivamente pelo conjunto dos homens”.
Formar em cada aluno singular a humanidade, significa conceber-lhes um desenvolvimento que os molde como seres cada vez mais plenos. Assim, diante de tantas conquistas, produzidas ao longo da história, ao qual o homem tanto se desenvolveu, como retroceder a um período marcado por barbáries propagadas pelos movimentos da ditadura militar?
Segundo João Paulo Caldeira:
No Brasil do século XX, a tortura foi praxe nos dois maiores períodos ditatoriais que o país viveu, na época do Estado Novo (1937-1945) e do regime militar (1964-1985), sendo institucionalizada neste último período, banalizando-se e revelando-se como um método eficaz de garantir um Estado de ilegalidade.
Assim legitima por força antidemocrática, a institucionalização das escolas militares como proposta para implantação em todo o Brasil, apresentando bons índices de IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica)  e de aprovação em vestibulares, sem fazer a população estudar, refletir e conscientizar-se do que ainda está por vir.
As escolas Militares são sucesso, porém observemos suas configurações:
Primeiro, ela foi idealizada para os filhos dos militares, assim a herança se perpetuará;
Segundo, há uma seleção através de provas, onde estes alunos já se preparam previamente para estes exames e consequentemente entram na escola com o habito do estudo;
Terceiro, todas as escolas militares possuem uma infraestrutura condizente com a necessidade de um padrão mínimo de qualidade;
Quarto, professores em constantes formações continuadas;
Quinto  e último, alunos obrigatoriamente precisam defender a instituição (com bons resultados), que não mais se apresentam como escolar, mas sim como escolar/militar.
É claro que a educação precisa de uma grande reforma, isso já se falava desde a década de 90 quando adentramos na Universidade e começamos a formar nossa consciência acadêmica. Estávamos já dentro das concepções escolanovistas e alguns vestígios do tecnicismo insistia em permanecer, entretanto se consolidava o construtivismo.
Este sim veio para transformar o ensino e o estudante em meros fantoches de um movimento de efetivação da sociedade capitalista que hoje nos escraviza e destrói o desejo de luta de classe do povo brasileiro.
Nestas escolas “O papel do professor [...] deixa de ser o daquele que ensina para ser o de auxiliar o aluno em seu próprio processo de aprendizagem.” (SAVIANI,2008)
Agora surge as ideias de regresso com as escolas militares ou de gestão compartilhada.
Importante salientarmos, “A escola está impregnada de ponta a ponta pelo aspecto político”, Saviani (1991) cita Guiomar Nello.
É notório que a ação educativa condiciona a uma junção entre o ato político e o ato pedagógico.  Todavia o ato político tem de ser libertador, transformador, como já dizia Paulo Freire(1968): “Quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser o opressor”. Portanto se faz necessário o ato político transformador e o ato pedagógico intencional para libertar, não para oprimir.
O discurso da “transformação” que hoje se propaga em governos ditatoriais é apropriado pela classe dominante para manter a hegemonia.
Portanto nos dirigimos agora ao público de educadores. Precisamos estudar, nos posicionar, não aceitar meras transformações sem juízo de valor, precisamos ser mais competentes, essa é nossa principal arma, precisamos fazer mais política, não política partidária, essa faz parte do controle das massas, mas precisamos sermos competentes no fazer pedagógico a partir de nossos compromissos com uma sociedade melhor.
“Não se faz política sem competência e não existe técnica sem compromisso... A política é também uma questão técnica e compromisso sem competência é descompromisso”, posicionamento de Saviani (1991).
A Prof. Virginia Maria Pereira de Melo contribui afirmando:
As escolas militares embora tenha boa repercussão na sociedade em geral, por seus resultados imediatos, está marcada por equívocos graves, que podem repercutir negativamente na formação de várias gerações. É princípio constitucional que o Estado deve oferecer a todos uma escola pública, gratuita, democrática, com diversidade de ideias e concepções pedagógicas, e à qual todos tenham as mesmas condições de acesso e permanência com sucesso.
Estudar numa escola em que as alunas são proibidas de soltar os cabelos, usar a cor que lhe convém, pintar suas unhas. Onde os meninos precisam ter cabelo cortado no padrão único, não poder usar nenhum indumentário, além de todos usarem gritos de guerra, não usar celular, estar sempre fazendo continências, não seria apenas uma forma de  apenas desvelar o perigo de extremismos e de que o poder de coação do Estado é soberano?
“Militarizar escolas para resolver problemas é um retrocesso que acredito que temos que tentar reverter”, afirmou o também polêmico ex-ministro da Educação do governo Dilma Rousseff, Aloizio Mercadante, no Pleno do Fórum Nacional de Educação (FNE) (2016).
Não é nosso objetivo aqui macular a instituição da policia militar, esta que nos ampara e nos protege. Todavia temos o conhecimento também dos percalços que passam os profissionais dessa área, pelo confronto que fazem para nos garantir a segurança com quadros reduzidos de pessoal, salários demasiadamente incoerentes, viaturas sucateadas e outros mais problemas existenciais. Estes também necessários de atenção do Estado.
Incorporar nestes a tarefa de serem professores na educação pública é ampliar seus universos de responsabilidades para assim caracterizar uma educação onde se troca o professor com o livro por um policial com uma arma.
A educação escolar é campo de aprendizagem, de formação, de cidadania, de construção de valores e atitudes que se dão na interação uns com os outros, e sendo assim se faz jus um ambiente promotor de democracia, ainda que está não se efetive na íntegra, pois é um processo sempre em construção. Para isso ela não precisa ser militarizada. Bastaria somente que nossos governantes, ou seja o Estado e família cumprisse com sua obrigação, ou seja um assumisse a responsabilidade com a destinação dos recursos necessários (condições físicas, salários dignos, materiais pedagógicos, merenda de qualidade, formação continuada dos profissionais, gestão democrática e participativa) e o outro com a educação não formal preparada mesmo antes de chegar a escola.
Aos leitores espero ter conseguido mostrar “o lado escuro da lua”, assim todos podem e devem ter um posicionamento para além dos achismos e das transformações que mais se assemelham a imposições de cima para baixo. Não esquecendo que a informação é o nosso terceiro olho.
Para finalizarmos deixamos aqui  5 razões contra a militarização de escolas, copiado do site pressenza.com:
1- Policiais não estão preparados para debater ideias, qualquer divergência ou discussão já descambam para agressão;
2 – Nessas escolas, as crianças e os jovens não sabem o que é liberdade. São o tempo todo submetidas a um regime disciplinar arbitrário, ao pior estilo “Vigiar e Punir” (ver livro de Michel Foucault sobre espaços de dominação e “fabricação” de indivíduos por meio da disciplina);
3 – Não são ensinadas a dar valor aos seus direitos, garantias e liberdades às quais têm ou deveriam ter acesso;
4 – Aprendem que, para serem “bons” cidadãos, devem simplesmente obedecer a quem tem poder, mesmo que isso os tolha de suas individualidades e direitos. Mesmo que isso perpetue ainda mais as desigualdades e a discriminação;
5 – São ensinadas a aplicar o mesmo regime de dominação rigorosa caso se tornem os futuros detentores de poder (político, militar, econômico, religioso etc.). Repetindo o ciclo de dominação e violência na qual se formaram.
Numa divisão de classes em que o trabalhador só é preparado para obedecer ficará cada vez pior o processo de humanização humana, portanto é preciso promover a emancipação deste homem e a necessária  integração entre ensino e trabalho com uma formação omnilateral, isto é, uma formação emancipatória em todos os sentidos.
Fica a reflexão para todos!