Por Cida de Oliveira-Da Rede Brasil Atual
De
2002 para cá foram extintas mais de 30 mil escolas rurais, obrigando pais a
mandar seus filhos para escolas distantes, em estradas perigosas e veículos mal
conservados
Todos os dias,
crianças com idades entre 5 e 8 anos saem de casa às 4 e meia da manhã para
chegar a tempo na aula, que começa às 7. Se estiver chovendo, têm de caminhar
dois quilômetros até o ônibus, que não consegue ir até elas por causa da lama
no caminho. E quando o tempo está seco, elas ficam expostas a doenças
respiratórias causadas pela poeira na estrada. Quem conta sobre essa rotina
difícil, comum para crianças e adolescentes filhos de trabalhadores rurais da
região de São Carlos – uma das mais importantes cidades do interior paulista,
região considerada das mais prósperas do meio rural brasileiro – , é
o professor Luiz Bezerra Neto, do Departamento de Educação da Universidade
Federal de São Carlos (UFSCar). Integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Educação no Campo (Gepec),
ele conhece de perto essa realidade."
"E olha que
nem estou me referindo à situação no Norte e Nordeste, onde tudo é sabidamente
mais precário. Falo de casos que acompanhei no município onde trabalho, no interior
do estado mais rico da federação, em que crianças ficam cinco horas dentro do
transporte escolar, e apenas quatro em sala de aula. Em que condições vão
chegar em casa?", questiona.
Outra
dificuldade imposta aos pequenos alunos de São Carlos, como aponta o professor,
é no retorno, após as 11 horas, quando a aula termina. Como nem todas estudam
no mesmo lugar e são atendidas por um único ônibus, umas têm de esperar mais de
uma hora pela chegada das outras, até que o grupo seja unido novamente e possa
seguir a viagem de volta. Se não houver problema com o ônibus – geralmente são
velhos e mal conservados – todas chegam em casa bem mais tarde, cansadas e com
lição para fazer. Sobra pouco tempo para o convívio com a família ou mesmo para
brincar. Para quem sai da cama antes de o sol raiar, o sono não demora e mais
um dia termina.
Pelos dados do
Gepec, de 2002 para cá foram fechadas mais de 30 mil escolas rurais no
país, levando muito mais crianças em todo o país a viver essa dura realidade,
marcada por viagens arriscadas em estradas e veículos mal conservados, sem a
presença de um monitor para cuidar da segurança, especialmente das menores,
durante o trajeto, sem alimentação adequada, com poucas horas de sono e o
consequente cansaço. Fora os outros prejuízos. "Sem escola perto de
casa, que foi fechada, a tendência é o aluno abandonar os estudos e ficar em
desvantagem de oportunidades no campo ou na cidade", diz Luiz
Bezerra.
Para ele, a
preocupação de muitos governantes não é a criança, o estudante. "A escola
não tem ido à criança. Tem sido o contrário. A criança é que tem ido à escola.
Um governante que se preocupa com a educação da população deveria estar levando
a escola até ela", afirma.
Em geral, o
argumento dos gestores para fechar escolas é sempre o mesmo: corte de despesas.
E para não contratar professores e merendeiras, preferem fechar a escola e
contratar transporte escolar. A opção é péssima para os trabalhadores e seus
filhos também porque dificulta o controle social sobre o pagamento da despesa.
"Ao
contrário da manutenção de uma escola, mais fácil de ser fiscalizada pela
comunidade, o transporte é de difícil controle. A comunidade não tem acesso,
por exemplo, à quilometragem percorrida pelos ônibus em busca dos alunos. Por
isso muito governante – não todos – opta pela oferta desse serviço. Não temos
como provar, mas sabemos que isso possibilita o desvio de verbas", aponta
o professor da UFSCar.
Insegurança
No litoral sul
da Bahia, no município de Prado, há sete assentamentos. A maioria das 538
famílias que se dedicam à agricultura de subsistência, tem filhos em idade
escolar. No entanto, na região já foram fechadas seis escolas nos últimos
anos. Para muitos pais, a única alternativa é mandar as crianças para o
município vizinho de Alcobaça, mesmo contra a vontade.
O dirigente
regional do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST),
Carlos Roberto da Silva, o Beto, conta que há inúmeros motivos de preocupação.
"Os pais ficam trabalhando na roça e não sabem o que os filhos estão
fazendo na outra cidade. Se tiver aula vaga, quem garante que eles não vão
para a praia? Defendemos que cada assentamento tenha sua própria escola, até
porque a lei garante que a criança estude perto de casa", diz.
Outro temor,
conforme o dirigente do MST, é em relação à segurança das crianças no
transporte escolar, sem a presença de um monitor. E lembra que os mais velhos,
em idade de cursar o ensino médio, só podem estudar à noite, na cidade.
"Muitos deixam de estudar porque chegam em casa à 1 hora da manhã e
precisam levantar cedo."
Para forçar diálogo contra
fechamento de escolas, MST chegou a ocupar prefeitura no sul da Bahia. (Foto:
MST)
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O MST defende
uma escola por assentamento porque, além das necessidades pedagógicas comuns,
há necessidades específicas de cada um deles. "Precisamos melhorar a
qualidade da educação no campo, e não piorar, fechando as poucas escolas que
temos e mandando as crianças estudar tão longe. O descaso é tão grande que
até mesmo nas escolas que construímos com nossos próprios recursos faltam
educadores. A prefeita não foi capaz de contratar educador", diz o líder
do movimento.
No início de
fevereiro, os assentados se organizaram em comissão de pais e alunos para
pressionar a prefeita de Prado, Mayra Brito (PP), a investir nas escolas em vez
de fechá-las. Como a gestora não os recebeu, a comunidade ocupou a prefeitura
para forçar o diálogo, que não ocorreu. Em vez disso, a prefeita obteve liminar
na Justiça e a Polícia Militar fez a desocupação do local.
Sucateamento
Quando não são
fechadas, as escolas do campo são sucateadas, agravando a situação de falta de infraestrutura.
Há unidades sem professores, merendeira, carteiras, materiais e muitas onde
falta até água para beber – como acontece no sul da Bahia, por exemplo. E nas
menores, com poucos alunos, é muito comum a chamada classe multisseriada. Nela,
alunos de idades diferentes, em séries diferentes, assistem aula com o mesmo
professor.
O sistema até
poderia funcionar, caso houvesse integração entre as crianças e investimento na
formação docente e em recursos pedagógicos. O problema é que, ao dividir as quatro
horas de aula entre as três ou quatro turmas, o tempo dedicado a cada uma
delas é bem menor, em torno de duas horas diárias – a metade. Com isso, os
alunos recebem menos conteúdo do que aqueles que frequentam turmas regulares.
"Os cursos
de Pedagogia não contemplam a discussão teórica sobre como trabalhar com classe
multisseriada, o que ensinar em determinados momentos, a metodologia mais
adequada para que esses alunos tenham acesso integral ao currículo válido
em todo o país para que quando forem prestar um vestibular, disputar uma vaga,
tenham a mesma eficiência que os alunos que frequentaram escola com ensino de
melhor qualidade", afirma Luiz Bezerra, da UFSCar.
Para ele, o
combate à multisseriação não altera a situação, mas sim ao tempo reduzido de aula
desses alunos, que aprendem muito menos conteúdo. Se isso for corrigido,
acredita, melhora o nível de aprendizagem e aumentam as chances desses
estudantes.
Expulsão
do campo
Sintoma
do desprezo histórico dos governantes pela educação pública destinada aos
filhos da classe trabalhadora, seja do campo ou da cidade, onde muitas classes
têm sido extintas, o fechamento de escolas do campo é outra
face da perversidade dos conflitos agrários. "Sabemos que as prefeituras
são pressionadas pelos ruralistas. Então, fechar a escola é mais uma estratégia
que impulsiona o êxodo rural", diz o dirigente do MST Carlos Roberto da
Silva, o Beto.
Se as crianças tivessem escola
perto de casa, não teriam de ir longe para estudar. (Foto: Semed Porto Velho)
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O professor da
UFSCar concorda: Fechar escolas rurais significa expulsar as famílias de suas
terras ou assentamentos para outras áreas na medida que buscam dar educação aos
seus filhos. "Porque se quiserem mantê-lo na escola, vão ter de buscar
outro lugar para morar. Dependendo da região, as escolas ficam distantes 10,
15, 20 quilômetros daquela que foi fechada", lembra o professor da UFSCar.
Assim, segundo
ele, o agronegócio fragiliza também os assentamentos e desestimula a luta pela
reforma agrária. Afinal, sem escola, as chances de sucesso são menores do que
quando se abre uma escola para os assentados e seus filhos. "Muitas vezes,
para sair de uma ponta do assentamento para ir à outra, onde fica a escola, o
aluno acaba levando horas. Isso dificulta a permanência da criança na escola e
da família ali."
Em meio a
enormes desafios, só resta a luta. "Ir às ruas, denunciar a situação
e arregimentar aliados", diz Bezerra. Para o professor, a saída é a união
contra o latifúndio e todas as formas de opressão impostas pelo poder
econômico. "Em suma, fazer o que o movimento vem fazendo, ocupar terras e
escolas e, forjar novas formas de enfrentamento. Este enfrentamento tem que
ocorrer também nas universidades, nas escolas, nos sindicatos e sobretudo
através das lutas dos movimentos sociais. Não podemos, de forma nenhuma, dar
trégua nesta luta. A escola no campo pode ser um bom espaço de discussão desta
realidade."
http://www.carosamigos.com.br/index.php/cotidiano/9403-fechamento-de-escolas-rurais-obriga-criancas-a-passar-mais-tempo-na-estrada-que-em-aula
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