O Preconceito contra o Campo
XICO GRAZIANO
Querida professora,
senhores pais: na festa junina do colégio, veste o menino de camisa xadrez, mas
esquece o remendo falso, que caipira não gosta disso. Ele se veste direito. E,
principalmente, elimine o maior dos horrores: aquele dentinho pintado de preto,
para fingir que é banguela. Trata-se de um insulto ao homem do campo.
Folclore, sim. Preconceito dá cadeia.
Nas festas juninas,
a dança da quadrilha é adorada. Aquelas crianças lindas, vestidas com roupas
remendadas, chapéus de palha desfiados, marias-chiquinhas nos cabelos,
cavanhaques e bigodes postiços buscam a caricatura do caipira. A brincadeira
faz parte do folclore nacional, uma reverência às origens pátrias.
Lamentavelmente,
porém, o disfarce sertanejo carrega um terrível preconceito contra o campo. O
jeito errado de vestir e falar provoca, especialmente nas crianças, um torpe
raciocínio: de que assim viveriam, na verdade, a gente rural. Miserável, suja,
maltrapilha. Condenada ao subdesenvolvimento.
Na verdade, a
sociedade brasileira ainda não se desvencilhou, como deveria, de um trauma
histórico: a separação entre campo e cidade. Ao contrário dos países europeus,
onde o processo de urbanização significou uma lenta transição, aqui houve uma
forte ruptura entre o rural e o urbano. Restaram seqüelas.
Os valores
urbano-industriais muito rapidamente se tornaram predominantes na sociedade. A
industrialização virou um sonho, o consumismo deslanchou. O violento êxodo
rural inchou as cidades, fornecendo braços para a construção civil. Nesse
decurso a agricultura acabou sinônimo de passado.
O moderno está na
cidade, na indústria, na moda do comércio. No inconsciente coletivo ocorreu uma
inversão cultural e ideológica. A
imagem rural ficou relacionada com o atraso, e o homem do campo virou caipira.
Aqui reside a origem da visão preconceituosa sobre o mundo rural.
Vislumbra-se tal
aversão no próprio idioma. Os fruticultores nunca descobriram porque toda vez
que alguém se defronta com um grande dilema, invoca a fruta: “que abacaxi!” Ou se lembra da
corcubitácea: “que pepino, heim!?”
“Vá plantar batatas” soa como um
tapa no rosto dos produtores rurais.
Nos escândalos
financeiros, a roubalheira sempre apresenta um “laranja”, um bandido disfarçado. Moça de má fama vira “vaca”, homossexual é “veado”. Se alguém parece pouco
inteligente, logo sofre o rótulo: “seu burro!”
Coitado do bicho. Imagens que ?denigrem? a imagem da agricultura.
O papel da mídia é,
como sempre, relevante. Ela potencializa a crítica ou o rótulo. Os agricultores
reclamam, com razão, que nos jornais só dá notícia negativa. Invasão de
“sem-terra”, contaminação de agrotóxicos, desmatamento irregular, trabalho
infantil, trabalho escravo. Parece que do campo brota somente coisa ruim.
Ter imagem positiva
frente à opinião pública é fundamental. Este é o segredo da agricultura
européia, onde a sociedade valoriza e defende o produtor rural, pois sabe que
sua permanência na terra garante a segurança alimentar e protege a nação. Na Europa quem protege o campo é a cidade.
Infelizmente, aqui ocorre o contrário: a urbe
desdenha do campo. Às vezes, o massacra com uma visão preconceituosa que delimita, à
priori, uma escala de valores denegridos. Fazendeiro ainda é confundido com
latifundiário, sitiante com Jeca Tatu, trabalhador rural com ignorante.
Cabe culpa,
decerto, ao próprio setor. Velhas lideranças rurais repetem discursos
caquéticos, elaborados na época de mando da oligarquia rural. Ruralistas
perdulários teimam em penalizar os bons agricultores em detrimento dos
salafrários. Nada disso ajuda o marketing rural.
Prejudicada também
acaba a política agrícola. O maior desafio das lideranças rurais, associativas
e políticas, está em convencer a opinião pública sobre a importância crucial
dos agronegócios. É comum se assistir a excelentes discursos feitos “para nós
mesmos”. Isso não resolve nada.
A tarefa exige comunicação de massa: se não fossem as exportações oriundas da roça a indústria não pagava suas contas. No interior, sem a agropecuária haveria uma quebradeira geral e um desemprego brutal. Nesse país, que ninguém duvide, somente passa fome quem não tem dinheiro para comprar, porque alimento a agricultura produz. E se precisar dobrar, é fácil. O campo tem que falar grosso!
O momento
está favorável para essa virada na imagem da agricultura. Com as festas de peão
e o vigor das exposições agropecuárias, apareceu há anos uma nova diversão no
país: o turismo rural. Antes, passear significava vestir short e ir à praia.
Agora, a meninada da cidade grande se disfarça de cow-boy e viaja ao interior!
Quer andar a cavalo e curtir a natureza.
Xico Graziano,
agrônomo, foi presidente do Incra (1995) e secretário da Agricultura de São
Paulo (1996-98) E-mail: xicograziano@terra.com.br
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SOMOS CAMPO! CELEBREMOS A ALEGRIA, OS FRUTOS,
A FÉ DO CAMPONÊS!!!
Santo Antonio
São João
São Pedro
São Paulo
Tem tanta fogueira/ tem tanto balão/ tem tanta brincadeira
todo mundo no terreiro faz adivinhação/ meu São João, eu não/ meu São João, eu
não/ eu não tenho alegria/ só porque não vem/ só porque não vem/ quem tanto eu
queria...
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